Economista explica a alta do preço do botijão de gás
- Gabrielle Gonçalves
- 28 de jul. de 2021
- 9 min de leitura
Conversamos com Diego Richene sobre os motivos que levam a essa aumento
Na última semana, a Petrobras anunciou um aumento no preço do diesel, da gasolina e do gás de cozinha. A quais fatores se deve essa alta?
D: Basicamente se deve ao aumento dos preços do petróleo no mercado internacional, especialmente o barril do tipo brent. Especificamente falando do gás de cozinha, temos duas derivadas: GLT (botijão de gás) e gás encanado.
Falando do GLT, ele sofre uma interferência muito forte do petróleo no mercado internacional. Em um ano - de julho do ano passado até julho deste ano - nós tivemos um aumento de mais de 22%. Além disso, nós também temos a questão dos impostos.
No preço do gás de cozinha, estão inclusos os impostos federais - sobretudo, PIS e COFINS, que estão zerados - e o ICMS, de natureza estadual. Aqui no Estado de São Paulo, esse valor é de 13,3% - além do lucro da Petrobras e das distribuidoras. Então, esses preços ficam bem mais pressionados por causa disso tudo, além do valor do petróleo.
E em relação ao diesel e à gasolina, por que o gás de cozinha é o que mais sobe o valor?
D: O diesel e a gasolina também são afetados pelo preço do barril de petróleo. Só que a regulamentação é um pouco mais forte no caso dos combustíveis. Falando da gasolina em si, nós temos a mistura do componente com o etanol, por exemplo. Desde 1993, há uma composição mínima obrigatória do etanol na gasolina. Cerca de 27% do valor dela vem dessa mistura com o etanol. Além disso, existe o preço médio das refinarias. Os preços dos combustíveis são um pouco mais regulados por causa das refinarias. Elas não podem colocar o preço que querem - apesar de também seguirem o preço do dólar no mercado internacional.
E você mencionou o gás encanado… Eu gostaria de saber quais as diferenças entre ele e o GLP, sobretudo no preço dos dois. Qual seria mais vantajoso?
D: Tem bastante alteração, sim, no preço entre esses dois. Primeiro que o GLP é um hidrocarboneto, né? Então, ele é um derivado do petróleo. Por isso, está muito mais suscetível às oscilações do mercado internacional. Já o gás encanado vem do gás natural. Vários países possuem bastante reservas de gás natural, inclusive, aqui na América Latina, na Bolívia. O preço do gás natural também sofre com as instabilidades. Mas ele é muito menos negociado do que o petróleo, por isso, tem menos volatilidade e oscilações de preço. Todavia, em um ano, o preço do gás natural já subiu mais de 90%. Então, juntamente com o GLP, nós também tivemos um aumento no gás natural no mercado internacional. Isso também encareceu o gás encanado. A maioria das pessoas que mora em apartamentos, por exemplo, com certeza, também deve ter se assustado com as tarifas.
Recentemente, saiu uma notícia que o gás natural teve esse aumento. Mas ele sofre muito menos alteração do que o GLP, certo?
D: Isso, exatamente! Por que o gás natural tende a sofrer menos alteração? Porque ele é oferecido, sobretudo, para as indústrias. As indústrias são muito consumidoras. Então, por exemplo, se você tem uma commodity ou algum instrumento que é oferecido para as indústrias e que oscile demais, você vai criar uma instabilidade muito grande na cadeira produtiva. Então, você basicamente precisa encontrar uma maneira de tornar esses bens mais estáveis (em relação a preço), né? O gás natural, por si só, apesar de ter subido 90% em um ano, ele ainda é, certamente, mais estável e mais barato do que o GLP.
E em relação a essa estabilidade que você falou: de que maneira é possível adotar algumas medidas que façam com que o gás natural tenha um preço mais estável?
D: É muito mais em relação à regulação. Os governos, por exemplo, podem criar normas efetivas para controlar mais esses mercados. Há um pouco mais de interferência estatal nesses casos. Não vou dizer que existe uma forte influência do governo no gás natural no Brasil. No entanto, no resto do mundo, por conta do apelo de determinados agentes, você tem, sim, mais estabilidade e mais regulação. Os Estados Unidos e a Europa, que são grandes mercados consumidores do gás natural, você necessita, realmente, de mais estabilidade de preço. Até porque eles necessitam disso, sobretudo, em épocas mais frias. Já outros mercados que fornecem o gás natural, como a Rússia, Cazaquistão, Bolívia, você precisa também de mais estabilidade porque são países em que essa commodity é um motor econômico.
Anteriormente, durante a entrevista, você comentou sobre a margem de lucro das empresas sob o valor do petróleo. Como ela fica quando acontecem esses aumentos, principalmente no caso do botijão de gás?
D: A gente tem o costume de achar que as empresas que operam no setor surfam nessa onda, né? Mas, elas também sofrem demais, porque todas as vezes que aumenta uma commodity que elas oferecem, o custo dela também aumenta. Então, se o custo aumenta, a margem de lucro é bastante reduzida. De novo: as empresas não podem colocar a margem que querem. Basicamente, todos esses mercados que estamos falando, como gás de cozinha, combustíveis e até mesmo energia elétrica, são regulados. Tem-se a interferência do governo; as empresas não podem colocar o preço que desejarem. Então, a margem de lucro delas também é impactada. O preço sobe lá fora, os custos de produção também aumentam, e as empresas precisam repassar esses gastos para nós, consumidores.
E, agora, na pandemia, que as pessoas estão mais tempo em casa, isso tende a mudar alguma coisa?
D: Tende a mudar sim. Vou contar rapidamente uma “historinha” - o antes e depois das medidas de isolamento. Quando a quarentena teve início em março de 2020, nós vimos, no mercado, uma certa diminuição dos preços. Então, basicamente, você não tinha problema com o fornecimento de gasolina, gás de cozinha, etc. Só que, depois, como continuamos em casa, isso acabou pressionando a demanda. Assim, até então, o preço que estava caindo começou a disparar. Com a flexibilização das medidas de segurança, as pessoas começaram a voltar para o trabalho, e as empresas também retomaram a produção. Foi aí que vimos uma grande escassez no mercado tanto interno, quanto externo de várias commodities. Teve-se uma pressão generalizada, principalmente, pela indústria - afinal, o consumidor, do outro lado, também estava demandando mais produtos. Conclusão: podemos dizer que a pandemia de COVID-19 foi o maior fator que influenciou essa alta dos preços. A pandemia acelerou a pressão de demanda pela população e a falta de oferta pelas empresas.
Desde 2019, o preço do gás de cozinha quase dobrou. Isso se deve, sobretudo, às mudanças na política de reajuste da Petrobras. Você poderia explicar quais mudanças foram essas e como elas impactaram a vida dos consumidores finais?
D: Até então, antes de 2019, a Petrobras seguia, basicamente, um preço em que ela olhava muito mais o componente interno da demanda do que para o componente externo. O que isso significa? Ela se baseava em como estava o nosso mercado interno, se a demanda estava muito concentrada e, assim, aumentava os preços em função disso. Só que o problema é que, por exemplo, os combustíveis que a Petrobras fornece e até mesmo o gás de cozinha não são fornecidos de maneira final ao consumidor no Brasil. Nós dependemos de muita importação. Ela refina o combustível e transforma o petróleo em gás de cozinha em algumas frentes no exterior. Assim, a Petrobras, que via os seus custos lá fora subirem, decidiu apelar para essas mudanças e não olhar somente para o componente interno, mas também para o que acontece no mercado internacional. Portanto, todas as vezes que o preço do petróleo subir lá fora, o preço aqui também aumenta. De certa forma, isso é uma pressão não apenas do novo governo brasileiro, que assumiu em 2019, mas também dos acionistas da empresa. Isso porque eles viam que, todas as vezes que os custos de produção aumentavam, a Petrobras não repassava esse valor aos consumidores e isso diminuía o seu lucro. Todas as instabilidades do mercado internacional refletem na população aqui. Ou seja, toda vez que o preço sobe lá, vai subir na bomba, no gás de cozinha, etc. Mas, também, pode ser que quando cair lá fora, caía aqui também.
O preço médio do botijão de gás de 13 kg para o consumidor subiu de R$ 85,27 para R$ 85,63 no último mês. Nas refinarias, esse valor é de R$ 44,20. Soma-se a isso os impostos. Você poderia explicar quais são esses impostos e como eles impactam o preço final do produto?
D: No que tange ao gás de cozinha, nós temos três impostos praticamente: PIS e COFINS (de natureza federal) e ICMS (de natureza estadual). Basicamente, seriam esses três. O que acontece? O governo brasileiro verificou que grande parte do valor do GLP vinha desses impostos federais - a pressão era muito alta. Então, ele decidiu zerar o PIS e o COFINS. O ICMS, por sua vez, fica a cargo dos governadores. Alguns estados subiram o imposto sobre o gás de cozinha. No Estado de São Paulo, em si, não houve esse aumento - a taxa continua de 13,3%.
Se o governo federal reduziu os impostos, o governo estadual deveria reduzir também para poder haver uma certa queda no valor final repassado ao consumidor. Uma andorinha só não faz verão, né? Eu diria para você que, do preço final do gás de cozinha, quando se tem os impostos federais, cerca de 25% do valor é só de impostos. Agora, no caso de São Paulo, sem o PIS e o COFINS, 13,3% é só de impostos.
Diego, tem alguma dica que a gente possa dar para as pessoas que ajude a economizar na hora de comprar o botijão de gás?
D: Bom, as pessoas devem pesquisar e comparar os preços. Desses R$ 85,63 de preço médio, temos uma parte composta só pela distribuição e pela revenda do gás de cozinha. Então, isso pode variar muito de um estabelecimento para outro.
Uma loja localizada no centro da cidade tem uma estrutura de custo maior do que de outra localizada em um bairro mais afastado. Então, o preço da revenda do botijão de gás pode chegar a uma diferença de 10%, e isso é muita coisa.
Então, se existe essa diferença de uma loja para outra, também há diferença da capital para Bauru, por exemplo?
D: Com toda certeza. Inclusive, existe um índice de inflação que nós, economistas, acompanhamos muito que é o IPC - Índice de Preços ao Consumidor. Ele é medido pela Fundação Getúlio Vargas, especialmente, nas capitais brasileiras. Você encontra uma diferença de preço muito grande de uma capital para outra, por exemplo, de uma capital da Região Norte para outra da Região Sudeste. Então, se nós estamos falando que existem diferenças entre as capitais, também vai haver diferenças expressivas da capital para o interior.
Em junho, o Governo do Estado de São Paulo lançou o programa Vale Gás para auxiliar famílias de baixa renda na compra do botijão de gás. Entre as cidades contempladas, temos Bauru. Como isso deve ajudar as pessoas em situação de vulnerabilidade social no município?
D: Qual o principal benefício disso? É ajudar as pessoas a conseguir comprar o botijão. Em algumas cidades, o valor do GLP ultrapassa o valor de R$ 100. Então, isso pode ajudar muito essas famílias.
Mas, vamos lembrar também que cerca de 13% do valor do botijão de gás vem dos impostos estaduais. O que deveria ser feito? Em economia, chamamos isso de “trade off”, de escolha… O que seria melhor: tirar dinheiro do estado, ampliar os gastos públicos, se endividar mais e dar dinheiro na mão das pessoas para auxiliar na compra do gás ou reduzir ou zerar os impostos e, de certa forma, abrir mão de arrecadação? O que traria mais benefícios? Na minha opinião, eu acho que seria mais vantajoso o governo estadual tirar o ICMS do botijão de gás e abrir mão dessa arrecadação por um determinado período. De certa forma, as pessoas teriam até mais segurança na hora de efetivamente comprar. Isso porque programas sociais sempre têm um prazo de validade; o Vale Gás está sendo distribuído agora, mas e depois? Já a redução ou a anulação dos impostos podem ter uma natureza mais permanente.
Aproveitando que estamos falando sobre programas sociais, por último, eu gostaria de saber se esse aumento do botijão de gás pode aumentar o valor do Bom Prato também.
D: Olha, o Bom Prato também é subsidiado. Então, nós, contribuintes paulistas, pagamos essas refeições. É claro que existem algumas instituições que ajudam com doações. Mas o que ocorre? O governo, muito provavelmente, não deve subir o valor do Bom Prato - isso afeta a popularidade. Tem-se questões políticas, né? O Bom Prato deve continuar a um real; não deve ter alterações para o consumidor. No entanto, vai ter uma hora que isso pode pesar e, assim, o governo deve “ver” se vai continuar assim ou se precisará reajustar. O que nós vemos hoje? Não é apenas o preço do gás de cozinha… Os alimentos, de uma maneira geral, também estão mais caros no mercado. Por isso, repito, o governo deveria verificar essa estrutura de impostos que incide sobre esses bens para, realmente, conseguir dar conta de fazer tudo isso acontecer.
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